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quinta-feira, 10 de abril de 2014

A Indústria Farmacêutica paga para obter os resultados que pretende


Em relação às Farmacêuticas, temos de fundamentar uma ideia, excluindo qualquer dúvida: os ensaios financiados pela indústria apresentam maiores probabilidades de produzir um resultado positivo, lisonjeiro, do que os ensaios financiados de uma maneira independente.

Esta é a nossa premissa central, e o leitor irá aperceber-se disso em poucos artigos, porque se trata de um dos fenómenos mais bem documentados no campo cada vez maior da «investigação sobre investigação». Também se tornou muito mais fácil de estudar nos últimos anos porque as regras sobre declaração do financiamento industrial se tomaram um pouco mais claras.

Podemos começar por algum trabalho recente: em 2010, três investigadores de Harvard e de Toronto descobriram todos os ensaios sobre cinco grandes classes de fármacos (antidepressivos, medicamentos contra úlceras, etc.) e mediram duas características fundamentais: foram positivos, e foram financiados pela indústria? [1]

Num total de mais de quinhentos ensaios, 85% dos financiados pela indústria foram positivos, em comparação com apenas 50% dos financiados por governos. Trata-se de uma diferença muito significativa.

Em 2007, houve investigadores que observaram todos os ensaios publicados destinados a explorar os benefícios de uma estatina. [2]

As estatinas são fármacos que reduzem o colesterol, diminuem o risco de ataque cardíaco e são receitadas em enormes quantidades.

Este estudo descobriu um total de 192 ensaios, uns comparando uma estatina com outra e outros comparando uma estatina com um tipo diferente de terapêutica. Depois de os investigadores controlarem outros factores, descobriram que os ensaios financiados pela indústria apresentavam uma probabilidade vinte vezes superior de produzir resultados que favoreciam o fármaco testado. Trata-se, mais uma vez, de uma enorme diferença.

Apresentaremos mais uma. Em 2006, houve investigadores que analisaram todos os ensaios de fármacos psiquiátricos publicados em quatro revistas académicas ao longo de dez anos, tendo apurado um total de 542 resultados de ensaios. 

Os patrocinadores da indústria obtiveram resultados favoráveis para os seus fármacos 78% das vezes, ao passo que os ensaios com financiamento independente só tiveram resultados positivos em 48% dos casos. Se o leitor fosse um fármaco a competir num ensaio com o fármaco do patrocinador, estaria em muito maus lençóis: só conseguiria ganhar nuns míseros 28% dos casos. [3]

São resultados sombrios e assustadores, mas provêm de estudos individuais. Quando se dispõe de muitas investigações num campo, é sempre possível alguém — como nós, por exemplo — seleccionar o que há de melhor e fornecer uma visão parcial. Poderiamos, no essencial, estar a fazer exactamente aquilo de que acusamos a Indústria Farmacêutica e a informá-lo apenas dos estudos que apoiam a nossa pretensão, ocultando dos seus olhos os tranquilizadores.

Para prevenir este risco, os investigadores inventaram a revisão sistemática.

Exploraremos este conceito mais pormenorizadamente noutro artigo, uma vez que ocupa o lugar central na medicina moderna, mas, no essencial, uma revisão sistemática é simples: em vez de um investigador deambular pela literatura de investigação, escolhendo consciente ou inconscientemente, aqui e ali, artigos que apoiam as suas crenças preexistentes, adopta uma abordagem científica, sistemática, ao próprio processo de procura de evidência científica, assegurando-se de que a sua evidência é tão completa e representativa quanto possível de todas as investigações alguma vez efectuadas.

As revisões sistemáticas são muitíssimo onerosas. Por coincidência, foram publicadas em 2003 duas que analisam especificamente a questão que nos interessa. Pegam em todos os estudos alguma vez publicados sobre a existência ou não de associação entre o financiamento da indústria e os resultados que a favorecem.

Cada uma adoptou uma abordagem ligeiramente diferente no que toca ã identificação de artigos de investigação, e ambas descobriram que os ensaios financiados pela indústria apresentavam, em geral, uma probabilidade quatro vezes superior de relatar resultados positivos. [4]

Uma revisão posterior, realizada em 2007, incidiu sobre os novos estudos publicados nos quatro anos que se seguiram a essas duas revisões anteriores: identificou mais vinte artigos, dos quais todos, à excepção de dois, revelavam que os ensaios financiados pela indústria apresentavam maiores probabilidades de relatar resultados lisonjeiros. [5]

Alongamo-nos no estabelecimento desta evidência porque queremos ser absolutamente claros, sem margem para dúvidas, nesta matéria. Os ensaios financiados pela indústria fornecem resultados positivos — não se trata de uma opinião da nossa lavra nem de uma intuição que emergiu de uma análise ocasional, de passagem. É um problema muito bem documentado e que tem sido extensivamente investigado sem que ninguém tenha avançado com uma acção eficaz, como veremos mais adiante.

Há um último estudo sobre o qual queremos falar. Verifica-se que este padrão de os ensaios financiados pela indústria apresentarem probabilidades muito maiores de obterem resultados positivos persiste mesmo quando nos afastamos dos artigos académicos publicados, e examinamos, ao invés, relatórios de ensaios apresentados em conferências académicas, onde os dados aparecem muitas vezes pela primeira vez (de facto, como veremos, por vezes os resultados de ensaios só aparecem numa conferência académica, com muito poucas informações sobre como o estudo foi realizado).


Fries e Krishnan estudaram todos os sumários de investigação, apresentados nas reuniões realizadas em 2011 pelo American College of Rheumatology, que apresentavam qualquer tipo de ensaio e reconheciam patrocínio da indústria, para apurar a proporção dos que apresentavam resultados favoráveis ao fármaco do patrocinador.

Vem aí uma frasezinha, como que o remate de uma piada, e, para a percebermos, temos de falar um pouco sobre o aspecto de um artigo académico. Em geral, a parte referente aos resultados é extensa: fornecem-se números brutos para cada resultado e para cada possível factor causal, mas não sob a forma de algarismos brutos.

Fomecem-se «séries» (ou intervalos), talvez se explorem subgrupos, realizam-se testes estatísticos, e cada pormenor do resultado é descrito sob a forma de tabela e apresentado resumidamente no texto, onde se explicam os resultados mais importantes. Este processo demorado costuma ocupar várias páginas.

Em Fries e Krishnan (2004), este nível de pormenor foi desnecessário. A secção dos resultados é uma frasezinha singela, simples e, gostaria eu de imaginar, bastante passivo-agressiva:

Os resultados de cada ensaio controlado aleatório (45 em 45) favoreceram o fármaco do patrocinador.

Este achado extremo tem um efeito secundário interessantíssimo para as pessoas interessadas em atalhos que poupam tempo. Como todos os ensaios financiados pela indústria tinham um resultado positivo, não precisamos de saber mais nada sobre um ensaio para prever o seu resultado: se foi financiado pela indústria, é certo e sabido que o ensaio descobriu que o fármaco era óptimo.

Como acontece isto? Como conseguem os ensaios financiados pela indústria obter quase sempre um resultado positivo? Tratar-se-á de uma combinação de factores, tanto quanto alguém pode estar certo. Por vezes, a falha dos ensaios reside no delineamento. Podemos comparar o nosso novo fármaco com algo que sabemos que não presta — talvez um fármaco existente numa dose inadequada ou um placebo com uma acção praticamente nula.

Podemos escolher os nossos doentes com todo o cuidado, de modo a aumentar a probabilidade de melhorarem com o nosso tratamento. Podemos espreitar os resultados no meio do ensaio e terminá-lo mais cedo se forem bons (um veneno estatístico, por razões interessantes que iremos discutir). E assim por diante.

Contudo, antes de se chegar a estas fascinantes voltas e reviravoltas metodológicas, a estas cabeçadas e cotoveladas que impedem um ensaio de ser um teste imparcial à eficácia ou não de um medicamento, existe um recurso muito mais simples à disposição.

Por vezes, as empresas da Indústria Farmacêutica realizam muitos ensaios e, quando verificam que os resultados não são lisonjeiros, limitam-se a não os publicar. Não é um problema novo nem se restringe à medicina. Com efeito, esta questão dos resultados negativos que se perdem pelo caminho é transversal a quase todos os domínios da Ciência.

Distorce achados em domínios tão diversos como a imagiologia cerebral e a Economia, troça de todos os nossos esforços para excluir o enviesamento dos nossos estudos e, não obstante tudo o que lhe dirão os reguladores, as empresas da Indústria Farmacêutica e até alguns académicos, é um problema que tem estado por resolver há décadas.

Com efeito, está tão enraizado que mesmo que o resolvêssemos hoje — neste preciso momento, de uma vez por todas, para sempre, sem vícios de forma nem lacunas na nossa legislação —, não seria útil, porque continuaríamos a exercer medicina, a tomar jovialmente decisões sobre qual é a melhor terapêutica, com base em décadas de evidência médica fundamentalmente distorcida, como o leitor acabou de verificar.

No entanto, há uma maneira de progredir.

Notas:

[1] Bourgeois FT, Murthy S, Mandl KD. «Outcome Reporting Among Drug Trials Registered in ClinicalTrials.gov». Annals of Internal Medicine. 2010; 153(3): 158-66.

[2] Bero L, Oostvogel F, Bacchetti P, Lee K. «Factors Associated with Findings of Published Trials of Drug-Drug Comparisons: Why Some Statins Appear More Efficacious than Others». PLoSMed. 5 de Junho de 2007; 4(6): el84.

[3] Kelly RE Jr, Cohen LJ, Semple RJ, Bialer P, Lau A, Bodenheimer A, et al. «Relationship between drug company funding and outcomes of clinical psychiatric research». Psychol Med. Novembro de 2006; 36(11)1647-56.

[4] Bekelman JE, Li Y, Gross CP. «Scope and impact of financial conflicts of interest in biomedical research: a systematic review». JAMA 2003; 289: 454-65.

Lexchin J, Bero LA, Djulbegovic B, Clark O. «Pharmaceutical industry sponsorship and research outcome and quality: systematic review». BMJ2003; 326: 1167-70.

[5] Sergio S. «Pharmaceutical company funding and its consequences: A qualitative systematic review». Contemporary Clinical Trials. Março de 2008; 29(2): 109-13.

Fonte: Livro: «Farmacêuticas da Treta» de Ben Goldacre - Paradigma da Matrix

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