De acordo com uma pesquisa mundial publicada no final de 2013, com 66 mil pessoas em 68 países, conduzida pela Worldwide Independent Network of Market Research (WINMR) e Gallup International, a população mundial enxerga os EUA como a mais significante ameaça no planeta. A análise sobre a pesquisa foi publicada no portal de matérias sobre a resistência contra o imperialismo, Znet, por Paul Street.
De acordo com Street, a visão mundial quanto ao status dos Estados Unidos como, de longe, a maior ameaça para a paz (24% dos entrevistados qualificaram o país assim, enquanto o segundo lugar, Paquistão, ficou com 8%), "deveria ser tudo, menos surpreendente, para qualquer observador sério para com a politica externa norte-americana e o cenário internacional".
Os EUA representam quase metade de todo o gasto militar no mundo, mantêm mais de mil bases militares em mais de 100 nações “soberanas” por todos os continentes. A administração Obama autoriza a ação das Operações Especiais em 75 a 100 países (a administração Bush contava com 60 em seu final) e conduz regulares ataques letais com drones contra alvos qualificados como terroristas (e um número muito maior de civis inocentes) no Oriente Médio, Sudeste Asiático e África, explica Street.
"Mantêm também um programa massivo de vigilância global dedicado a eliminar, de fato, a privacidade na Terra – um programa que espionou até mesmo os telefones pessoais de estadistas europeus, incluindo Angela Merkel, na Alemanha."
Como o mais famoso jornal alemão, Der Spiegel, escreveu em 1997: “Nunca antes na história moderna um pais dominou totalmente o planeta como os EUA o faz hoje, a América é agora o Schwarzenegger da política internacional: exibindo os músculos, intrusivo e intimidante, os norte-americanos, na ausência de limites impostos por qualquer um, agem como se tivessem um cheque em branco em seu ‘McMundo’”.
Sem pedido de desculpas
"Esse Schwarzenegger decidiu fazer as coisas um pouco sozinho no atual milênio. Os EUA, desde o 11 de Setembro, mataram, marcaram e desalojaram milhões ao redor do mundo muçulmano como parte de sua Guerra ao (de) Terror," diz Street.
"A violência é sempre conduzida em nome da paz, liberdade, democracia e segurança. Um incidente ilustrativo na guerra norte-americana ao/de terror ocorreu na primeira semana de maio de 2009. Foi quando um bombardeio norte-americano matou mais de 140 civis em Bola Boluk, um vilarejo na província de Farah, no oeste do Afeganistão."
Noventa e três dos locais mortos, destroçados pelos explosivos norte-americanos, eram crianças. Apenas 22 eram homens de 18 anos ou mais velhos. Como o New York Times reportou:
“Em uma ligação telefônica colocada no viva-voz na quarta-feira para o parlamento afegão, o governador da província de Farah, Rohul Amin, disse que cerca de 130 civis morreram, segundo o legislador, Mohammad Naim Farahi, ‘o governador disse que os locais trouxeram dois tratores cheios de pedaços de corpos humanos para seu escritório, a fim de comprovar as mortes que ocorreram…todos estavam chorando, olhando para a cena chocante’.
O sr. Farahi disse que conversou com alguém que conhecia pessoalmente, e tal pessoa havia contado 113 corpos sendo enterrados, incluindo muitas mulheres e crianças.”
"A resposta inicial do Pentágono do Obama para esse incidente horrível – um entre muitos outros ataques aéreos maciços que mataram civis no Afeganistão e Paquistão desde 2011 – foi jogar a culpa das mortes às 'granadas do Talibã'," ironiza o autor.
A então secretária de Estado, Hillary Clinton, disse “lamentar” a perda de vidas humanas, mas a administração se recusava a fazer um pedido de desculpas ou reconhecer a responsabilidade dos EUA.
"Em contraste, Obama havia acabado de oferecer um pedido completo de desculpas e demitir um funcionário da Casa Branca por assustar nova-iorquinos por conta de uma sessão de fotos do Força Aérea Um (o avião presidencial norte-americano) voando baixo sobre Manhathan o que lembrou as pessoas do 11 de Setembro."
E Street continua: "A disparidade foi extraordinária: assustar nova-iorquinos levou o presidente Obama a um pedido de desculpas e à demissão de um funcionário da Casa Branca, enquanto matar mais de 100 civis afegãos não requeria o mesmo pedido."
Ninguém foi demitido e o Pentágono teve a permissão de seguir com as afirmações absurdas de como os civis morreram – histórias levadas a sério pela mídia, ressalta o autor. Os EUA, subsequentemente, conduziram uma duvidosa “investigação” do massacre em Bola Boluk que reduziu a contagem de corpos e culpou o Talibã por colocar civis no caminho das bombas norte-americanas.
Filhos e filhas
Outro exemplo do compromisso dos EUA com a paz e a segurança, citado por Street, é Fallujah, no Iraque. Em um discurso sobre política externa na véspera do anúncio de sua candidatura à Presidência, Barack Obama disse que “o povo estadunidense tem sido extraordinariamente determinado. Eles viram suas filhas e filhos morrerem e se ferirem nas ruas de Fallujah”.
"Essa seleção do lugar foi espantosa: Fallujah foi o local da maior atrocidade de guerra dos EUA – os crimes incluíram o assassinato indiscriminado de milhares de civis, ataques contra ambulâncias e hospitais e praticamente a completa destruição de uma cidade inteira – pelos militares norte-americanos, em abril e novembro de 2004. A cidade foi designada para destruição como um exemplo do incrível estado de terror prometido contra aqueles que ousarem resistir ao poder dos EUA."
O uso de material radioativo nos ataques dos EUA em Fallujah ajudou a criar uma epidêmica mortalidade infantil, defeitos de nascimento, leucemia e câncer, ressaltou Street.
"A cidade de Fallujah foi apenas um episódio especialmente ilustrativo de um vasto arco criminal de uma invasão que matou prematuramente pelo menos um milhão de civis iraquianos e deixou o país como 'uma zona de desastre em uma escala catastrófica, dificilmente comparável na memória recente'."
“Então jogue-os em Guantânamo”
Lawrence Wilkerson é um ex-combatente que já serviu como chefe de gabinete do então secretário de Estado Colin Powell. Conversando com o jornalista investigativo Jeremy Scahill, citado por Street, ele descreveu uma típica operação das forças especiais durante a ocupação do Iraque:
"Você entra lá e colhe algumas informações e você diz: Oh, isso é realmente uma boa informação para ser usada como ataque. Aqui está a Operação Trovão Azul. Vá cumpri-la. Então eles vão e matam 27, 30, 40 pessoas, que seja, e capturam sete ou oito. Depois você descobre que a informação era ruim e você matou um bando de gente inocente e que também você tem um monte de inocentes presos em suas mãos, então jogue-os em Guantânamo. Ninguém nunca saberá a respeito e então você prossegue para a próxima operação."
"Realmente, um cheque em branco", diz Street.
Em 1991, relembra, na primeira vez que os EUA estiveram no Iraque, as forças norte-americanas massacram dezenas de milhares de soldados iraquianos que já haviam se rendido e estavam saindo do Iraque, entre 26 e 27 de fevereiro daquele ano, no que ficou conhecido como “A Estrada da Morte”.
"Além da violência física direta, existem outras maneiras de se matar também. Cinco anos após a Estrada da Morte, a secretária de Estado, Madeline Albright, disse ao programa 60 Minutos da CBS, que a morte de 500 mil crianças, devido às sanções impostas pelos EUA ao Iraque, era um 'preço que valia a pena pagar' para a continuidade dos objetivos norte-americanos."
“Os moralistas que pensam que não têm pecados”
Street ressalta que, lendo essas declarações e considerando o quão criminosa, racista e imperial é a realidade da política externa dos EUA nesse e em outros séculos, pode-se pensar no que o M. Scott Peck, psicoterapista e autor do estudo do mal no ser humano, disse:
“O mal no mundo é cometido pelos moralistas que acham que não possuem pecados, pois não estão dispostos a sofrer do desconforto da autocrítica. Seu pecado mais básico é o orgulho – pois todos os pecados são reparáveis exceto o pecado de acreditar que não possui pecado. Uma vez que eles têm que negar sua própria maldade, é necessário enxergá-la nos outros. Eles projetam sua própria maldade no mundo.”
Isso soa como uma reflexão sobre a retórica norte-americana quanto ao “excepcionalismo dos EUA”, diz o autor. Quando combinada com o histórico alcance do poder militar norte-americano, "o paralelo sugere que as pessoas no mundo estão perfeitamente certas em identificar a moralidade dos EUA como a maior ameaça à paz no planeta Terra".
O estudo de Peck, obviamente, era sobre indivíduos e não estruturas de poder, afirma Street. "Até onde se sabe, Barack Obama é um indivíduo perfeitamente moral e caridoso em relação à sua família e amigos (o mesmo vale para George W. Bush). Mas isso é irrelevante quando se fala de assuntos internacionais, onde o papel do presidente dos EUA e seus assessores de alto escalão é avançar no projeto imperial norte-americano – encharcado de sangue –, sob um pretexto de intenção benevolente e uma forma maligna e narcisista chamada de 'excepcionalismo norte-americano'."
Street ressalva, entretanto, que o mundo não é mais, claramente, enganado pela grande modificação de Obama quanto ao “Schwarzenegger da política internacional”. Ele entende, corretamente, que "o primeiro presidente pós-Bush, eleito com as palavras 'esperança' e 'mudança', não é nada mais do que um represente novo do império usando roupas velhas."
Com Znet, do artigo traduzido por Vinicius Gomes para a Revista Fórum
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